Histórias pra boi dormir




28.1.03
hoje acordei
tão estranho
com pernas mecânicas
e um funil nas orelhas
pensei nos parágrafos
e fui inundado pelas livrarias
quanta informação, meu deus!
agora eu quero
um pouco de terra firme
porque nadar já não adianta
e os vermes não perdoam
viciei nos parágrafos
pequenos e azulados
meu, não pense que isso é poesia
nunca foi
espero que nunca seja
deus me livre se for algum dia
é apenas uma tentativa
de me livrar desse vício tolo
de escrever em sequência.





24.1.03
Descendo o morro, havia um pequeno fio de líquido vermelho. Dona Eulália, que mora a umas duas quadras da minha casa, viu e correu espantada, deixando pequenas frutas rosadas no chão. Achou que fosse sangue. Dona Eulália geralmente desamaia quando vê sangue. Tive que correr e lhe explicar, com o rosto manchado, que eu choro colorido quando me espetam alfinetes nas pálpebras.

E ouvi dizer que uma das cabeças das trigêmeas está moribunda. Mesmo deitado, em sono profundo, consegui tirar os olhos e grudá-los novamente na janela para tentar vê-las. Pobrezinhas, andam tão cabisbaixas. Coitadas! Ofereci-lhes o balanço por uma tarde inteira. Elas ficaram lá, balançando tão levemente que os galhos da mangueira sequer rangiam. A cabeça do meio virada pra trás, com os olhos entreabertos e um notável descontrole sobre os movimentos da boca. É tão triste, meu deus, tão triste...

Fiz uma pequena mesa com um copo de leite e bolachas vermelhas. Enfeitei com flores modestas e comi tudo. Até as flores. Agora tenho que aguentar essas abelhas tentando me abrir e sugar o néctar que agora é meu.





10.1.03
Des-Existi por alguns dias. Passei as festas de fim de ano lá em cima da mangueira infinita, absolutamente sozinho, observando os fogos de Sydney, Tóquio, Nova York, Rio de Janeiro e de algumas micro cidades africanas não identificáveis. Mas logo em seguida resolvi descer. Quase fui atingido por asteróides. Revi os percevejos, a colônia morta de cogumelos, pedaços de Ecila que ficaram por entre os galhos. Contei até dois milhões.

Quando estava chegando à altura do morro fui atingido por uma chuva que deixou os galhos escorregadios. Uma tragédia. Agora a minha pele reveste boa parte da mangueira. Eu e ela somos um só, involuntariamente.

Na casa, a velha descansava na sua antiga cama que hoje é minha. Ficou um tanto envergonhada ao me ver, mas logo desapareceu por entre as sombras, resignada. Não tive forças pra reclamar, apenas desabei e dormi.

Sonhei com o balanço.